REVIEW // Bons Augúrios

03:27:00

Imagem: Sydsir
Good Omens // Neil Gaiman e Terry Pratchett // 2006 // Editorial Presença // 380 p.

 

Sinopse

Neil Gaiman e Terry Pratchett criaram um texto que, ao fundir a fantasia e a comédia, resulta absolutamente jocoso, satírico inventivo e cheio de sabedoria. Desde o início dos tempos que Ele (Deus, o Diabo ou ambos em co–autoria conspiratória) haviam planeado o Armagedão, a Derradeira Batalha entre o Bem e o Mal, o fim do mundo tal como o conhecemos. E havia séculos que os demónios (e os anjos?) trabalhavam nesse sentido. Era chegada a hora! Faziam–se agora os últimos preparativos e tudo se ajustava para a hecatombe final. Mas os desígnios de Deus (e do Diabo?) são, como se sabe, insondáveis e, vá–se lá saber porquê, uma pequena distracção, uma simples troca de bebés, coloca o recém–nascido Anticristo na família errada e voilà! Tudo corre mal! Por serem todos grandes apreciadores dos prazeres terrenos, os representantes do Céu e do Inferno, os Quatro Cavaleiros (leia–se Motoqueiros) do Apocalipse e o próprio Anticristo decidem, pasme–se, tomar as rédeas dos acontecimentos e sabotar o Armagedão!
— Fonte: Wook


Opinião

Um anjo, um demónio, uma bruxa e o anticristo entram numa central nuclear. Parece o início de uma daquelas piadas insossas que um amigo bêbado começa a contar no bar à três da manhã e adormece sem conseguir chegar ao fim; mas na realidade é uma das muitas cenas caricatas que constam no livro que acabei de ler há umas semanas.

Bons Augúrios conta a história do início do Apocalipse. Quando o filho de Lúcifer é colocado na Terra para que cresça e se torne a personificação do Mal, e, assim, se dê o tão esperado Armagedão, um pequeno erro de colocação da criança na família destinada põe em risco a Batalha Final entre Céu e Inferno. Erro esse que chama ao barulho um anjo livreiro rude como a potassa, um demónio cujo hobbie é aterrorizar as plantas do seu apartamento, uma bruxa e as inutilmente específicas profecias da sua ascendente, e um gajo relativamente normal que, sabe-se lá como, foi apanhado no meio da trapalhada.

É uma comédia sobre o Fim do Mundo. O que é que eu vos preciso de dizer mais?

Uma das apreensões comuns entre os leitores de comédia é o medo de que o estejam a vender como comédia se revele um cocktail molotov de piadas parvas/porcas atiradas aqui e ali, palavrões mal empregues e cenas cliché de "escorrega-na-casca-de-banana". Eu sei. Eu compreendo. Eu li Guia Prático para Cuidar de Demónios com a promessa de que seria uma coisa super engraçada, e acabei com os olhos doídos de tanto os revirar, os lábios em imutável convexidade, e um sabor amargo na boca por ter gasto uma viagem de avião naquilo - tempo que teria sido melhor aproveitado a tirar selfies.

Mas prometo-vos, Bons Augúrios não é comédia barata.


Imagem por Linnpuzzle

A meu ver, muita da graça da obra provém de que diversas cenas roçam o absurdo, sem, no entanto, destituir a história de credibilidade. Tomem por exemplo a da central nuclear - por muito puxado que pareça, o enredo leva mesmo a que tal aconteça, e o plot avança sem acender placares néon à volta disso do tipo "OLHEM QUE ENGRAÇADO! OLHEM ESTE PECULIAR GRUPO DE PERSONAGENS QUE SE REUNIU EM TÃO PARTICULAR LOCAL! OURO DA COMÉDIA, NÃO É?". Pelo absoluto contrário, mais piada tem o descaso que as personagens dão à coisa, enquanto nós ainda estamos a tentar perceber em que exato momento é que a situação virou para aquele circo da bizarrice.

E as personagens. Oh, nem me falem das personagens. São tão ruins, no melhor sentido que a palavra pode tomar. Não por terem personagens mal formadas, mas exatamente pelo contrário: porque têm defeitos gritantes, são umas afiançadas filhas da puteça, e ninguém faz o menor esforço para o esconder ou desculpar.

Arizáfalo é um anjo arrogante como o caraças, que acha que o seu estatuto de "criação-superior-de-Deus" faz dele supremo detentor da verdade e do bom caminho. Anátema, a bruxa, também se acha o pináculo da criação e do futuro que há de vir, embora não possa dizer a razão desta por ter de spoilear agressivamente a obra para o fazer. Crowley, o demónio, tem tantos problemas de autoestima e indecisão crónicas atafulhados em camadas quilométricas de fanfarronice que nem me vou dar ao trabalho de tentar explicar. E, no entanto, damos por nós a gostar tanto deles como das suas descomunais falhas de caráter. É uma arte.

Um bom enredo, um bom cast, umas horas bem passadas. É dos livros de que mais gostei até hoje, e bom material de re-re-releitura. Agora, se me dão licença, tenho de ir ler fanfiction. Outro dos grandes convenientes de ter lido Bons Augúrios é que me abriu as portas a um fandom muito, muito imaginativo no que toca à vida pessoal de anjos e demónios em casas de campo partilhadas nos confins de Inglaterra.

Hasta.

★★

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