A Contracultura Selfie

22:26:00


Fonte: Ceschini

Muito se fala estes dias sobre a “cultura selfie”, a “geração selfie”, o escárnio e o desprezo a tudo quanto sejam jovens (e às vezes menos jovens) que esticam o braço para tirar uma foto a si próprios com aquela abençoada câmara frontal do smartphone que lá tiverem. Bom, às vezes nem tão abençoada é, já que a qualidade de imagem de uma câmara frontal é só equiparável a uma daquelas câmaras de cartão e papel de alumínio que os alunos de Fotografia Analógica constroem como projeto inicial da disciplina. Mas sempre é melhor que usar a câmara traseira e rezar para que a foto às cegas não saia tremida.

Mas divago. Muita gente vê estas designadas selfies o pináculo da vaidade e arrogância. Como se este pináculo não pudesse ser mais facilmente encarnado pelos nossos longínquos antepassados de classes mais abastadas que, se bem me recordo, pagavam rodos de dinheiro a pintores famosos e ficavam sentados, imóveis, horas a fio, para que pudessem ser imortalizados por estes a tinta a óleo e molduras floreadas a ouro a modo de serem observados em todo o seu esplendor estilizado pelas gerações seguintes. Não, este tipo de vaidade aparentemente fica a milhas de uma foto editada em cinco minutos no Retrica. 

Mas os opositores às selfies são amnésicos em relação a muita coisa para além disto. Esquecem-se, por exemplo, que a publicidade atualmente tem como alicerce o esfrangalhar da auto-estima dos jovens. Come menos, veste-te com roupas mais caras, usa maquilhagem e medicamentos para as borbulhas. Só tens valor se te vestires assim, se te comportares assim, se tiveres isto e comeres aquilo e fizeres isto. A publicidade, a própria sociedade endereça os jovens com um tom de condescendência arrogante, um “ainda não és nada, ainda não vales nada”. O valor de alguém está preso ao seguir de um status quo rígido, aparentemente imutável, intrinsecamente comercial. As empresas lucram com a baixa auto-estima dos jovens – é um facto, apesar de disfarçado e nunca admitido.

Então não será, cogito, o ato de tirar uma selfie um ato de rebelião contra esse sistema?

Alguém que tira uma selfie diz nas entrelinhas:  “este sou eu. Eu tiro fotos a mim próprio porque gosto de mim. Sou eu próprio que a tiro porque controlo a forma como me apresento”. E fora com as condescendências de que gostar de si próprio é igual a vaidade, de que uma autoestima alta é o mesmo que arrogância. Baixa autoestima é tóxica, torna as pessoas inseguras, duvidosas das suas próprias capacidades, incertas do seu lugar no mundo, moldáveis por empresas, entidades, publicidade, marcas. Uma autoestima alta é a segurança de saber que temos lugar, que merecemos os nossos sonhos, as nossas opiniões. É saber que temos valor, ainda que tudo à volta o negue. Será uma selfie capaz de atingir tudo isto? Não necessariamente. Mas o escárnio face a uma demonstração de autoestima certamente que também não ajuda.

Tirar uma selfie é um ato de amor próprio num mundo que lucra com o ódio. Deixem lá as pessoas tirarem o raio da foto.

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